terça-feira, 15 de setembro de 2009

Inversão


Esmurrou-lhe a cabeça. Ficou muito puto quando ela recusou as lagartas de escama de peixe esticadas no prato refratário que havia trazido especialmente para aquela ocasião. Não estava bêbada o suficiente para quebrar a promessa feita à mãe no leito de morte.

Como podia amar tanto aquela vadia?

De quatro, engoliu seco o soluço enquanto ela lhe enfiava lentamente três dedos.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Trufas Innamorata

(Imagem Google search)



Cansei de suas oscilações afetivas.

Todo amor por ela experimentado recebia logo a titularidade de o maior amor de sua vida até a primeira desconfiança, desilusão ou o pé na bunda. Então vinha a constatação irrefutável de que os homens são todos iguais e que não valem nada.

Um único golpe com a enxada em sua cabeça e ela caiu desacordada. Joguei seu corpo no moedor de cana. Juntei um pouco do bagaço e distribuí sobre o recheio das trufas.

Por sua essência agridoce, as trufas Innamorata foram o maior sucesso de vendas naquele Valentine’s Day.


quinta-feira, 7 de maio de 2009

Psyco-hooker

(Foto Duarte S.)

.
Pagou-lhe antecipado. Oitenta reais.

Ela guardou o dinheiro na bolsa piton, entrou no quarto e sentou-se na cadeira de madeira torneada, cujo veniz arranhado denunciava anos de uso.
Ele veio logo após, largou as chaves do carro e a carteira de cigarros Carlton sobre a mesinha igualmente arranhada. Sentou-se diante dela e começou a falar da mulher, de seu temperamento instável e da falta de apetite sexual que apresentava nos últimos meses. Do quanto ela havia mudado nos últimos anos...

O programa que deveria ter 20 minutos, acabou durando três horas.
Ele pagou mais cem reais sem sequer tocar em um fio de seu cabelo.

Naquela noite, só queria foder com um par de ouvidos.

Aquilo tornou-se hábito.
No início, uma vez por semana, depois mais.
Sempre pagava antecipado e além do combinado. Primeiro falava da esposa, dos filhos, do trabalho, dos amigos, do futebol, depois lhe beijava a boca demoradamente e lhe fodia aliviado, agora aproveitando também outros orifícios.

Com o dinheiro extra que estava ganhando, ela conseguiu pagar a faculdade de psicologia, seu sonho de infância.

Hoje além de ganhar por programa, também ganha por sessão.

terça-feira, 5 de maio de 2009

O Vale das Línguas

(Foto Ben Goossens)

Estive tantas vezes no Vale das Línguas que podia encontrá-lo de olhos fechados.
No alto do pórtico, Nosferatu regurgitava vespas incandescentes sobre a cabeça dos passantes. Após a entrada, um corredor polonês de seu séquito de sentinelas apontava suas lanças perpendicularmente. Era impossível atravessar o corredor sem ter a pele riscada e, algumas vezes, até a carne desfiada pelas afiadas línguas dos 80 guardiões. Já no Vale, os caminhos e atalhos sempre levavam ao mesmo lugar: à boca do mundo, onde todos eram engolidos, cedo ou tarde. Entretanto, alguns cuidados eram imprescindíveis, já que ferinas, peçonhentas e mortais línguas disputavam palmo a palmo os corpos que acabavam condenados ao Vale. A saliva que produziam causavam queimaduras, úlceras e lacerações. Por outro, lado existiam as voluptuosas, que preferiam circundar as zonas erógenas dos réprobos. Giravam em torno de seus mamilos e invadiam vulvas e ânus, causando-lhes furor e êxtase.

Em minhas andanças, sempre que caía no Vale, eu acabava deixando um pouco de mim...

quinta-feira, 30 de abril de 2009

quarta-feira, 29 de abril de 2009

terça-feira, 28 de abril de 2009

Desvalida

(Foto Paulo S)


Tem uma de mim que sabe que é ordinária.
Sabe que o que lhe tem cabido é muito mais do que vale.

Tem leito cativo na sarjeta. Mistura-se facilmente aos bêbados, às putas, aos vagabundos, aos encardidos.

Sempre baixa os olhos até o limite de arrastá-los no chão.
É aí, onde o olhar repousa opaco que quer ficar.

Não quer piedade. Só quer ser esquecida.



segunda-feira, 27 de abril de 2009

Anafilaxia

(Foto Google Search)

Descobri que tenho alergia a coice.

Ataca meu sistema digestivo: dá inapetência, náuseas e, algumas vezes, até vômitos.

O corpo todo empola, tenho coriza e os olhos ficam inchados e lacrimejam.


Corticóides não resolvem, já tentei...

A única forma de impedir os desagradáveis efeitos da anafilaxia é evitar o contato com o agente causador.

A bruta

(Foto Google Search)


Dessas tantas que me assaltam, que se rompem e explodem carne à fora, a bruta é uma das que mais me assustam.

Xinga, cospe e bate na cara de uma outra qualquer, quase sempre a mais trouxa: aquela que se deixa pegar desatenta por uma emoção mais contundente, que chora diante de cara feia, que não sabe lidar com a rejeição... essa, a bruta não poupa e desce o braço.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Das muitas que matei...

(Foto Josi Olivera)

Fui embora sem olhar para trás.

Nem um pingo de culpa, ou dor. Apenas a sensação de dever cumprido.

Mais uma que morria para outras poderem nascer.


Assim, por tanto tempo, eu pude me refazer.


Cada personagem que era assassinada, com requintes de crueldade ou de maneira patética, abria uma vaga que mais dez disputavam.


O fervilhar de candidatas, por mais que eu quisesse evitar, fazia-me tentar prever quem seria a próxima vítima.


Quase sempre eu errava.


Mesmo porque, essas personalidades múltiplas se reproduzem feito ratos no meu porão. E algumas até são parecidas entre si.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Dicotomia

(Foto Google search)

Eu sigo em cisma com a dualidade do meu ser. Mas isso é ser simplista.

Se eu tivesse dupla personalidade, certamente cada uma delas também teria duas, que teriam outras duas e essas, mais duas...

Impossível, portanto, precisar A personalidade.

Digo que sou cíclica e intempestiva porque oscilo, mas não por uma turbulência inevitável da minha lucidez, mas por me ver diante de tantas circunstâncias opostas.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A descoberta do fogo

(Foto Duarte S.)

Juntas, Má e Lu criaram um oco. Um poço sem fundo de questões, de dúvidas, medos e muitos erros em experimentos insanos.

Porque Má levava Lu para o fundo do poço toda vez que bebia demais, que se drogava ou que transava apenas por transar. Lu sentia-se culpada, enquanto Má deitava e rolava. Por conta disso, elas viviam brigando. Por outro lado, a insegurança, as dúvidas tantas, o sentimentalismo absurdo e escancarado de Lu deixavam Má prostrada por dias. Queria reagir, mas ficava presa e limitada à outra.

Entretanto, o big bang deu-se lá pela maturidade plena, com início na quarta década de vida.

Um dia, Má virou-se para Lu e disse:

- Ô melacuecas bobona: já sabe o que vai fazer da vida daqui para frente?

Lu pensou um pouco e respondeu:

- Sim, quero aprender contigo tudo o que não sei de mim.

Má parou um instante e perdeu aquele brilho sarcástico nos olhos. Podia-se até supor que tinha um toque doce no modo como ela apertou os cantinhos da boca. Não era represália, não era enfrentamento... Má sabia que o oposto era verdadeiro e que teria de aprender com Lu a ser mais maleável, a enfrentar os embates diários com mais serenidade, com mais embasamento...

Ambas tinham tanto para aprender uma com a outra...

Conversaram e descobriram o poder indiscutível da comunicação.

Má e Lu


(Foto Paulo Almeida)

Má e Lu são gêmeas xipófogas. Estão ligadas por seus órgãos vitais, mas tem membros e cérebros independentes. São opostas. Má é má, dissimulada, desbocada, debochada, briguenta, egoísta, putana de marca maior. Lu é doce, serena, mãezona, dedicada, carinhosa...

Até a idade adulta, tudo transcorria normal. Dividiam o espaço e as atenções alheias sem maiores perrengues.

Qualquer oscilação importante no comportamento de Má e Lu tinha sempre uma justificativa plausível:

Na infância: geniozinho difícil! hiperatividade e até disritmia cerebral foi cogitada.

Na adolescência: ah, os conflitos de sempre, a rebeldia inerente das adolescências todas...

Na fase adulta: bom, aí Má e Lu foram salvas pelo Fantástico. Sim. Dizer que o mau humor é TPM sempre cola, porque já saiu até reportagem no Fantástico. Quem vai duvidar do Dr. Drauzio Varella?

Santa TPM!